quarta-feira, 23 de setembro de 2015

COTIDIANO / TRADIÇÃO CUIABANA
04.10.2014 | 17h00
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Há meio século, dona Eulália é 

referência em “tchá cô bolo”

Com 80 anos, a senhora atrai centenas de pessoas à sua casa 

para provar o famoso bolo de arroz, na Lixeira

Isa Sousa/MidiaNews
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Dona Eulália: 80 anos de idade e 56 anos servindo aos cuiabanos










LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
Há 56 anos, quando começou a fazer bolos de arroz e de queijo para complementar a 
renda da família, Eulália da Silva Soares não imaginava que seus quitutes a transformariam 
em um ícone da cuiabania e que se tornaria famosa nacionalmente por seu talento.

Atualmente com 80 anos, a senhora modesta e de riso fácil diz apenas agradecer a Deus 
pelas conquistas e fama alcançada, que já a fez receber personalidades e políticos variados
 em sua casa, localizada no bairro da Lixeira, na Capital  – todos interessados em comer o
 tradicional “tchá cô bolo” cuiabano.

“Já recebi muita gente importante aqui, mas não consigo lembrar de todos só pela memória, 
porque tenho labirintite e esqueço muitos nomes [risos]. Mas quem vem muito aqui é político,
 principalmente. Um dos que eu lembro que veio aqui e gostou muito foi o governador de
 São Paulo, [Geraldo] Alckmin”, conta.

Dona Eulália, como se tornou conhecida, acredita que o amor com que se dedica a 
preparar seus bolos que os fazem ter um sabor único ao paladar de quem os experimenta, 
faz com que pessoas aguardem, ainda de madrugada, em frente a um corredor estreito – 
que dá acesso ao salão da sua casa –, pelo momento em que ela irá abrir as portas.
recebe a todos de coração aberto. Fico lisonjeada de saber que as pessoas, às vezes, deixam de ir a lugares mais chiques para vir comer aqui. Só tenho que agradecer a Deus pelo dom que ele me deu”, diz.

Dona Eulália recebeu a reportagem do MidiaNews na manhã de quinta-feira (25) e, entre uma pergunta e outra, sempre parava para ser cumprimentada por algum cliente, amigo ou neto que chegava bem cedo ao local para tomar café, antes de ir para a escola ou trabalho.

Ela minimiza a fama alcançada e revela que, quando começou a fazer os quitutes, em 1958, 
nem mesmo sabia a receita exata a seguir.

“Para mim, é muito importante ser conhecida assim. Porque, quando eu comecei, eu não 
esperava. Nós morávamos em um sítio, em Aricazinho [comunidade rural de Cuiabá] e eu tinha uma tia que sempre fazia bolos para festas. Eu sempre a vi fazendo, mas nunca tinha experimentado fazer, porque não 
sabia”, recorda.

Em 1956, dona Eulália se mudou com o marido, Eurico Soares, hoje com 94 anos, para o mesmo endereço onde reside até hoje, na Rua Professor João Félix, no bairro da Lixeira.

Ela conta que, em 1958, pediu a Eurico, que era pedreiro, para que construísse um forno
 para que ela tentasse fazer os mesmos bolos de arroz que sua tia fazia, a fim de tentar 
ajudar na renda da família.
Isa Sousa/MidiaNews
O tradicional bolo de arroz da Dona Eulália, recém-saído do forno à lenha

“Eu tinha filhos já na idade de estudar 
e eu tinha pouco estudo, não podia
 arranjar um serviço para ajudar meu 
marido. Pensei em fazer isso pra ver se 
quem sabe dava certo, pra ajudar. 
E graças a Deus deu muito certo. 
Hoje em dia, vejo todos os meus filhos
 formados”, conta.

Dona Eulália conta que foi testando
 várias receitas, tentando se lembrar
 de quais ingredientes e da quantidade 
de cada um que precisava usar, até acertar.


“Não tinha uma receita. Eu ia fazendo, experimentando, achava que não saía igual ao dela, 
e continuava tentando. Quando melhorou, eu passei a fazer para vender e pagava a cinco 
ou seis meninos para oferecer nas escolas”, diz.

Hoje, a senhora vende cerca de cinco mil bolos por semana. Segundo ela, às terças e
 quintas-feiras, ela vende cerca de 600 a 700 bolos por dia. Aos sábados e domingos, 
a produção sobe para dois mil bolos por dia.

Para atender a todos e dar conta da semana, ela conta com a ajuda da família. 
Ela possui oito filhos, sendo dois homens que moram no interior do Estado e 
seis filhas que moram em Cuiabá e que, acompanhadas dos genros, filhos e 
netos, auxiliam nos trabalhos na casa nos dias de atendimento.

“Tenho até uma bisneta que já trabalha aqui. Minha filha caçula [Claudinete Soares 
de Oliveira], hoje, é a responsável por gerenciar o local. Ela é responsável por tudo, 
quem resolve tudo aqui”, conta.

Dona Eulália, hoje, tem 21 netos e 20 bisnetos, e grande parte trabalha no salão, 
principalmente nos finais de semana e feriado.

Isa Sousa/MidiaNews
"Já recebi muita gente importante, mas tenho labirintite e não lembro o nome de todos", conta, entre risos
“No domingo, mesmo, 12 pessoas trabalham aqui. Só pra atender as pessoas, tem que ser 
uns três ou quatro. E ainda fica aquela fila grande esperando para ocupar cadeira, buscar bolo”,
 afirma.

Projeção

Quando acertou a receita, Dona Eulália passou a atender encomendas para festas de
 vizinhos e, conforme foram aumentando os pedidos, o marido foi construindo mais fornos –
 hoje, há quatro fornos à lenha no salão de sua casa.]

No entanto, a projeção dos quitutes – bolos de arroz e de queijo e as tradicionais “chipas” 
– ocorreu por meio da tradicional Festa de São Benedito, onde ela serviu por 13 anos.

“Teve uma época em que a festa de São Benedito tinha tudo de graça e, depois, parou e
 ficou só a missa. Então, um rei da festa, que já faleceu e era lá do Coxipó, me falou: ‘
vamos experimentar fazer esse bolo? Porque agora não tem mais nada depois que
 termina a missa. Quem sabe conseguimos vender’. E deu muito certo”, recorda.

A senhora conta que os festeiros da festa compravam seus bolos para vender após a missa 
na Paróquia de São Benedito, durante os quatro dias de festa, de quinta-feira a domingo. 
No entanto, o volume de bolos pedidos foi aumentando no decorrer dos anos e dona Eulália 
se viu forçada a “sair de cena”.

Isa Sousa/MidiaNews
As tradicionais chipas de Dona Eulália: uma dos mais pedidos para se tomar com café













“Quando terminava a missa lá em São 
Benedito, o pessoal nem esperava mais 
pelos bolos lá e já vinha até aqui pra 
comer. Aí eu não dava mais conta de 
fazer. Porque precisa atender lá e aqui 
também’, afirma.

Na ocasião, segundo ela, apenas os 
oito filhos não eram suficientes para 
ajudar na produção e ela precisava 
pagar pessoas para socar o arroz no 
pilão e fazer a massa.

“Começava na quinta-feira, que era
 o primeiro dia, com dois ou três mil bolos. Quando chegava domingo, teve ano que a 
demanda aumentou para seis mil. Você amassava bolo o dia inteiro e a noite inteira. 
Começava a assar cinco horas da tarde de um dia para às 4h da manhã estar tudo pronto,
 assado e no isopor”, conta.

Na sequência, ela foi personagem do quadro “Me Leva, Brasil”, que era dirigido pelo 
jornalista Maurício Kubrusly no programa “Fantástico”, da Rede Globo. Em seguida, 
foi a vez de simpática quituteira ir parar no programa Mais Você, apresentado por 
Ana Maria Braga.

“Aí foi aumentando a freguesia mesmo. Terça e quinta o público é menor, mas sábado 
e domingo está sempre cheio. Vem aquelas pessoas que acordam cedo, mas também
 vem o pessoal que sai das baladas. No domingo, quando é 4 horas, está cheio de gente
 que vem de festas, às vezes está até 
meio bêbado, mas espera aí na frente pra poder comer antes de ir pra casa. Graças a
 Deus, hoje eu tenho uma clientela muito boa”, diz, entre risos.

Rotina


Já experimentei comprar o fubá pronto, mas não fica igual. Então, meu neto soca o arroz 
para mim, rala a mandioca e faz o angu, misturando tudo à noite’, conta.

Ela conta que se levanta sempre às 3 horas. Sendo devota de São Benedito e São José, 
reserva um tempo para rezar e, em seguida, começa a trabalhar, seja fazendo o chocolate
 quente, café e chá que são servidos no salão, seja preparando as massas dos bolos para assar.

“Levanto às 3 horas porque a massa tem que ser feita de madrugada, não no dia anterior. 
Por volta das 4 horas, eles [filhos e netos] chegam pra me ajudar. Até hoje eu coloco a mão 
na massa. Minha filha também prepara, mas enquanto eu aguento, eu gosto de preparar. 
Depois de mexer na massa, eu volto a deitar e eles tomam conta dos clientes”, revela.

Segundo dona Eulália, os bolos começam a ser assados às 5 horas, para que às 5h30 as
 portas sejam abertas. De todo o processo, ela diz que uma das coisas que mais sente 
falta é de poder colocar as travessas de bolos para assar no forno.


“Hoje, tenho prótese nos dois joelhos, então não 
tenho muita segurança pra andar e por isso não 
posso carregar as coisas para assar. Isso eu não
 posso mais fazer e sinto falta, porque eu andava
 de um lado pro outro e quando a encomenda era
 pouca, eu nem precisava incomodar eles
. Eu mesmo fazia e assava. Hoje em dia, não”, conta.

Realização e sonho


Dona Eulália se diz realizada com tudo que 
conquistou, mas do que mais se orgulha é de
 ver a sua atividade ajudou na formação dos 
filhos e hoje é uma das razões da união de sua 
grande família.

Ela se emociona ao recordar que as filhas, mesmo trabalhando durante a semana toda, 
sempre voltavam à sua casa nos finais de semana para auxiliá-la com as encomendas.

“Essa filha que assa os bolos, mesmo, é professora e tinha duas carteiras, trabalhava a
 semana inteira, mas no domingo ela sempre estava aqui pra me ajudar. Isso é muito
 importante para mim.
Porque, se fosse outro, pensava assim: ‘eu tenho meu vencimento, meu marido ganha 
bem, eu não vou ficar lá no forno e atendendo os outros’. Mas não. Graças a Deus
, hoje ela aposentou e continua aqui comigo”, conta.

Segundo dona Eulália, “ todo mundo ajuda e todo mundo ganha” trabalhando com ela.

“O meu bisneto, mesmo, me ajuda desde os 14 anos. Hoje ele é formado, mas continua aqui
. Ele diz que quer arranjar um serviço que ganhe mais do que aqui e ainda não encontrou,
 por isso está aí. [risos] Ele faz de tudo, também. Atende, serve, amassa o bolo, tudo”, diz.


“Pra mim, ver toda a família envolvida é muito importante, porque eu sei que com a minha falta,
 eles vão continuar. Não vai acabar. Esse é meu sonho e eu tenho certeza que eles vão 
continuar. Eu só espero que Deus me ajude, me dê mais alguns anos de vida, que se 
não for pra eu amassar o bolo, pra que eu possa pelo menos assistir a minha família 
trabalhando”, revela.

Serviço


Quem quiser provar o tradicional “tchã cô bolo” da dona Eulália deve ir ao local às terça
s e quintas-feiras, bem como aos sábados, domingos e feriados, a partir das 5h30.

Às terças e quintas-feiras, ela fecha a casa ao público às 10 horas. Aos sábados,
 domingos e feriados, o atendimento é encerrado por volta das 11h30.

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